O Cerrado segue sob risco pelo avanço do desmatamento e do mau uso do solo

O Cerrado segue sob risco pelo avanço do desmatamento e do mau uso do solo

O Cerrado tem sofrido um rápido processo de degradação devido à ocupação desordenada do solo. Além disso, fenômenos climáticos como o El Niño têm contribuído para acelerar a devastação desse que é o segundo maior bioma brasileiro. São mais de 2 milhões de quilômetros quadrados espalhados por 25% do território nacional, ocupando 10 unidades da Federação, entre elas, o Distrito Federal. O Correio conversou com ambientalistas, que destacaram a urgência de uma ação coordenada, entre governo e sociedade, para preservá-lo e, assim, evitar reflexos negativos no no clima, na fauna, na flora e nos lençóis freáticos de Brasília.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nos últimos 10 anos, houve uma significativa elevação das temperaturas no Brasil, com ondas de calor mais duradouras e períodos de umidade abaixo da média. Em mais de um século, 2023 foi o ano mais quente no país. De acordo com o Painel de Mudanças Climáticas do Distrito Federal, a ocupação desordenada do Cerrado e as alterações no clima trouxeram variações significativas no microclima da capital federal, entre elas: o aumento do número de dias com umidade abaixo de 30% e a tendência de aumentos de quase 1º C da temperatura máxima e de 1,85ºC na média mínima.

“Deter a destruição do Cerrado e fazer nossa parte para enfrentar a emergência climática são tarefas imprescindíveis para os governos e a população do Distrito Federal”, defende o socio ambientalista especializado em mudanças climáticas, Thiago Ávila.

Ele reforçou a necessidade de olhar para o problema no desmatamento no campo. “Para que não aconteçam no Distrito Federal tragédias (climáticas) semelhantes às recentes (enchentes) no Rio Grande do Sul e em tantos outros lugares do mundo, nós precisamos prestar atenção à ciência, que vem alertando para o problema do desmatamento no campo, para o mau uso do solo pelo agronegócio, para a impermeabilização (excesso de asfalto e concreto com pouco acesso direto ao solo pelas águas das chuvas) nas cidades com objetivo de especulação imobiliária e tantas outras medidas que ignoram o funcionamento do ecossistema”, salientou.

O GDF, pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema), vem tomando medidas para conter a destruição do Cerrado, causado, principalmente pelo avanço da expansão urbana desordenada. Ela se dá com ocupações irregulares, com a construção de moradias, sem autorização governamental, e pelo avanço da agricultura sobre áreas que deveriam ser mantidas de acordo com sua origem natural.

“A criação da lei da política ambiental distrital trouxe maior proteção ao bioma, com a determinação de sanções administrativas a quem não a cumpre. E o (Instituto) Brasília Ambiental a exerce — por meio de auditorias fiscais de parcelamento irregular de solo e de supressão de vegetação — para coibir as interferências voltadas à degradação do Cerrado”, afirmou por nota o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), órgão executor das políticas públicas de meio ambiente no DF.

Tesouro

Paralelamente ao trabalho das autoridades existem iniciativas que mostram à disposição de pessoas comuns em cuidar do bioma local. Graças, por exemplo, ao sociólogo, filósofo e escritor Eugênio Giovenardi, 89 anos, o Distrito Federal conta com o primeiro Patrimônio Natural Perpétuo. Trata-se do Sítio das Neves, uma área de Servidão Ambiental de 70 hectares, localizada no km 26 da BR 060. Giovenardi, que adquiriu a área em 1974, disse que encontrou, literalmente, uma terra arrasada. “As principais árvores tinham sido derrubadas pelo antigo proprietário. O costume era queimar, em setembro. As queimadas eram para que, depois, brotasse o pasto verde e o gado se alimentasse. Com o fogo, o corte de árvores e o casco dos bois (pisoteando o chão), a região virou um deserto”, completou.

Ainda naquele ano, enquanto caía uma chuva forte, o sociólogo lia Os sertões, de Euclides da Cunha, quando acabou sendo inspirado. “Há um trecho do livro que relata algo que os romanos realizaram na Tunísia. Eles fizeram pequenas barragens para conter as águas das chuvas. Comecei a fazer o mesmo por aqui. Fiz mais de 100. Hoje, 75% das águas das chuvas, eu consigo retê-las aqui”, contou.

Giovenardi cuida do lugar há praticamente meio século. Lá aprendeu a entender a necessidade de respeitar a biodiversidade. “Pensei que não era papel da espécie humana decidir o que fazer com a natureza e comecei a deixá-la se expressar sem me intrometer. É preciso dar chance à vegetação nativa do Cerrado”, ressaltou.

Ele destacou que seu sítio provê água potável suficiente para suprir a família pelos próximos 100 anos. “Toda semana, eu levo 50 litros de água para casa. Se todos trabalhassem os pequenos espaços, teríamos milhares de nascentes de água que produziriam para rios e córregos”, considerou. “É necessária uma nova mentalidade, uma nova concepção da natureza. É preciso falar menos em crescimento econômico e mais em preservação”, defendeu.

A mudança de mentalidade é apoiada pelo professor do Departamento de Ecologia da UnB, José Francisco Gonçalves Júnior. Baseado em estudos científicos, ele citou a probabilidade, para as próximas décadas, de que o DF saia de um clima típico do Cerrado para o semiárido. “Daqui a 50 anos, a gente pode ter um ambiente inóspito para uma cidade do tamanho de Brasília”, lamentou. Ele ensinou que a saída está em frear a devastação florestal, além de um melhor ordenamento da ocupação territorial.

O ambientalista Nelson Rodrigues de Souza lembrou que, segundo estudos da ONG Conservação Internacional Brasil, o Cerrado deve desaparecer até 2030. “A ocupação desordenada do solo vem secando os lençóis freáticos e as nascentes. É preciso intensificar a fiscalização e aplicar punições mais rígidas. As consequências do clima na nossa região serão um calor intenso e falta de água. A principal solução é educação ambiental”, alertou.

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