O que são os “químicos eternos”, e por que eles estão em todo lugar – até no sangue

O que são os “químicos eternos”, e por que eles estão em todo lugar – até no sangue

Algo estranho aconteceu com o gado do americano Wilbur Tennant depois que a indústria química DuPont construiu um aterro próximo à sua fazenda na Virgínia Ocidental, no fim dos anos 1990. Sem motivo aparente, o rebanho desenvolveu feridas no corpo e começou a se comportar de maneira agressiva. Quase metade dos animais morreu. Após gravar vídeos mostrando a presença de sujeira e espuma no riacho (antes cristalino) que corria pela fazenda, Tennant procurou veterinários, políticos, jornalistas e até a polícia. Ninguém deu bola. Decidiu, então, pedir ajuda para o neto de uma vizinha que, supostamente, era um importante advogado ambiental de Ohio.

Mesmo não sendo o tipo de advogado que Tennant buscava – na verdade, ele trabalhava em um escritório focado em defender a indústria química –, Robert Bilott aceitou representar o fazendeiro. A ação foi o início de uma longa batalha contra a DuPont. O advogado descobriu que a empresa vinha enchendo o aterro com uma substância da qual nunca tinha ouvido falar: PFOA. Sigla para ácido perfluoro-octanoico, a combinação de carbono e flúor era usada na fabricação do teflon de panelas antiaderentes – e é altamente tóxica.

O PFOA faz parte de uma categoria de substâncias chamada PFAS – ou “químicos eternos”. Elas são compostos orgânicos sintéticos (isto é, produzidos em laboratório) cuja principal característica são as ligações entre carbono e flúor. Enquanto a maioria das ligações químicas em compostos orgânicos envolve átomos de carbono e hidrogênio, nos PFAS o hidrogênio dá lugar ao flúor.

No caso dos perfluoralquilados, todos os átomos que seriam de hidrogênio são substituídos pelo flúor; já nos “poli”, nem todos. Se a ligação entre carbono e hidrogênio é considerada fraca, a combinação com flúor é forte, e permite que os compostos tenham cadeias mais longas. E ter cadeias de átomos mais compridas torna as substâncias mais resistentes à biodegradação. O apelido “químicos eternos”, portanto, não é exagero.

“São ligações muito difíceis de serem rompidas e degradadas no ambiente”, diz a professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cassiana Carolina Montagner, especialista em química ambiental e segurança hídrica.

Essa união é o que proporciona características físico-químicas que tornam as substâncias tão especiais para a indústria: alta resistência e capacidade de repelir gordura e água ao mesmo tempo, e a temperaturas elevadas. Presentes em panelas antiaderentes e embalagens de papel para fast food, itens de higiene como fio dental, roupas impermeáveis, tintas, cosméticos diversos, ceras, revestimentos e até mesmo espumas para combate a incêndios, as PFAS se tornaram onipresentes.

Só que quase ninguém sabe disso. “Você não vai encontrá-las identificadas em rótulos ou na lista de ingredientes de um produto. Mas você pode procurar por palavras-chave como ‘à prova de água ou gordura’, ‘antiaderente’, ‘resistente a manchas’”, aponta Bilott, em entrevista exclusiva a GALILEU.

A onipresença em produtos comuns da vida moderna, no entanto, representa um empecilho. “A princípio, acreditava-se que eram uma solução barata e prática para problemas do dia a dia. E, cada vez mais, fomos nos acostumando com essa modernidade. Mas, na verdade, são soluções preparadas ou pensadas a partir desses compostos”, explica Montagner. Para completar, os PFAS são invisíveis, ao contrário da poluição plástica, por exemplo, que conseguimos enxergar. “A população não vê os PFAS, não sabe onde estão. Então, é muito difícil pedir que evitem usá-los”, opina.

Linha do tempo
  • 1934
    Precursor dos PFAS, o policlorotrifluoroetileno (PCTFE) é descoberto pela química alemã IG Farben. O termoplástico só chegou ao mercado em 1950, com o nome de Kel-F. Hoje, é conhecido como Neofl on PCTFE, e usado em componentes eletrônicos.
  • 1938
    Na DuPont, cientistas criavam novos gases refrigerantes a base de fluorocarbono. Descobriram o politetrafluoretileno (PTFE) por acidente, quando uma amostra de fluorocarbono tetrafluoretileno formou uma cera branca.
  • 1945
    A DuPont registra o “teflon”. Um dos primeiros usos do material foi no Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica: o PTFE era usado para revestir válvulas e juntas dos canos que transportavam urânio na fábrica de Oak Ridge.
  • ANOS 1950
    Produtos fluorocarbonados começam a ser produzidos em massa nos EUA. A DuPont monta uma fábrica de Teflon na Virgínia Ocidental e a 3M, que havia adquirido a patente para fabricar outros tipos de PFAS, inaugura duas plantas em Minnesota.
  • 1953
    Uma amostra de ácido perfluoro-octanossulfônico (PFOS) produzida pela 3M cai no sapato de um químico, e cria um revestimento que repele óleo e água. Nascia o impermeabilizador Scotchgard, um dos produtos de maior sucesso da empresa.
  • 1954
    O engenheiro francês Marc Grégoire decide revestir as panelas de sua esposa, Colette, com a substância PFTE, que usava para evitar o emaranhamento de sua linha de pesca. Nascia a primeira frigideira antiaderente do mundo, a “Tefal” (teflon e alumínio).
  • 1963
    A Marinha americana começa a trabalhar com cientistas da química 3M no desenvolvimento de uma espuma sintética feita de PFAS para combater incêndios. O produto foi patenteado em 1967, com o nome AFFF (sigla em inglês para espuma aquosa formadora de filme).
  • 1998
    O advogado Robert Billot, de Ohio, aceita representar o fazendeiro Wilbur Tennant, da Virgínia Ocidental, em um processo contra a DuPont pelo envenenamento do rebanho com produtos despejados da fábrica de sua cidade.
  • 2000
    A 3M anuncia o fim da produção de PFOS e derivados, reconhecendo os riscos da substância para humanos e o meio ambiente.
  • 2012
    Ação conjunta de 70 mil pessoas é movida contra a DuPont. Para embasar o processo, cientistas conduzem uma pesquisa na população americana. O resultado mostrou relação entre PFOA e o desenvolvimento de doenças como câncer e colesterol alto.
  • 2017
    A DuPont faz um acordo coletivo de US$ 671 milhões para encerrar os cerca de 3500 processos individuais movidos por pessoas que tiveram contato com PFOA.
  • 2019
    Documentos descobertos pela jornalista Sharon Lerner, revelam que a 3M já sabia, desde os anos 1970, que os PFAS se acumulavam no sangue humano e poderiam ser tóxicos para a saúde.
  • 2024
    A agência ambiental americana determina que as companhias de saneamento providenciem a remoção de PFAS no tratamento de água no país.
As marcas visíveis dos PFAs

Geraldo Naves

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