A ascensão científica da China assusta os EUA

A ascensão científica da China assusta os EUA

Matéria de capa da revista britânica The Economist esmiúça o que levou o país asiático a acelerar o desenvolvimento tecnológico e a inovação que preocupa Washington

Em meio à escala da rivalidade entre duas superpotências, a China e os Estados Unidos, há algo em comum entre elas: ambas reconhecem a importância da inovação como segredo para a superioridade geopolítica, econômica e militar.

A matéria de capa da revista britânica The Economist  desta semana esmiúça o porquê Washington está assustado com os avanços da ciência e da tecnologia liderados por Pequim.

A publicação, considerada uma das “bíblias” do liberalismo e do discurso anti-China, reconhece a força chinesa na ciência global com a manchete The rise of Chinese science: Welcome or worrying?” (A ascensão da ciência chinesa: Bem-vinda ou preocupante?, em tradução livre).

O texto ressalta que o presidente chinês, Xi Jinping, espera que a ciência e a tecnologia ajudem seu país a ultrapassar os Estados Unidos. Na tentativa de impedir que a China ganhe vantagem tecnológica, os políticos dos EUA têm usado uma combinação de controles de exportação e sanções.

A estratégia dos EUA tem poucas chances de dar certo, pondera a The Economist, que classifica a abordagem estadunidense como equivocada. “Se os Estados Unidos querem manter sua liderança — e obter o máximo benefício da pesquisa dos talentosos cientistas chineses — fariam melhor em focar menos em conter a ciência chinesa e mais em se impulsionar adiante”, observa.

Ciência para segurança alimentar

Um dos feitos da China que surpreende os autores do texto da revista britânica é o trabalho da Academia Chinesa de Ciências (CAS, da sigla) em Pequim, que é a maior organização de pesquisa do mundo com atuação em diversas áreas, desde a biologia vegetal até a física de supercondutores.

Na área de biologia das culturas alimentares, chama a atenção a enormidade de estudos. Nos últimos anos, cientistas chineses descobriram um gene que, quando removido, aumenta o comprimento e o peso dos grãos de trigo; outro que melhora a capacidade de culturas como sorgo e milheto crescerem em solos salinos; e um que pode aumentar a produção de milho em cerca de 10%.

No outono do ano passado, agricultores em Guizhou, província no sudoeste da China, completaram a segunda colheita de arroz gigante geneticamente modificado desenvolvido por cientistas da CAS.

Esses estudos são resultado do empenho liderado pelo Partido Comunista Chinês (PCCh) para impulsionar a pesquisa agrícola, considerada como crucial para garantir a segurança alimentar do país, e transformá-la como uma prioridade para os cientistas chineses.

Na última década, a qualidade e a quantidade de pesquisas sobre culturas produzidas na China cresceram imensamente, e agora o país é amplamente considerado um líder na área.

Medida do sucesso na ciência

Uma maneira de medir a qualidade da pesquisa científica de um país é contabilizar o número de artigos de alto impacto produzidos a cada ano — ou seja, publicações que são citadas com mais frequência por outros cientistas em seus próprios trabalhos posteriores.

Em 2003, os Estados Unidos produziram 20 vezes mais desses artigos de alto impacto do que a China, de acordo com dados da Clarivate, uma empresa de análise científica. Em 2013, os EUA produziram cerca de quatro vezes o número de principais artigos, e, no lançamento mais recente dos dados, que examina artigos de 2022, a China superou tanto os Estados Unidos quanto toda a União Europeia (UE).

A China lidera o mundo no Índice Nature, criado pela prestigiada revista de mesmo nome para contabilizar o número de artigos publicados em um conjunto de revistas de renome. Para serem selecionados, os artigos devem ser aprovados por um painel de revisores que avaliam a qualidade, novidade e potencial impacto do estudo.

Quando o Índice Nature foi lançado, em 2014, a China ocupava a segunda posição, contribuindo com menos de um terço dos artigos elegíveis em comparação com os Estados Unidos. Em 2023, a China alcançou o primeiro lugar. De acordo com o Leiden Ranking, que avalia o volume de produção científica, seis universidades ou instituições chinesas estão agora entre as dez melhores do mundo. Pelo Índice Nature, são sete instituições.

Essas universidades chinesas, como Shanghai Jiao Tong, Zhejiang e Peking (Beida), estão começando a ser mencionadas ao lado de instituições ocidentais renomadas como Cambridge, Harvard e ETH Zurich. A Tsinghua está na liderança mundial em em ciência e tecnologia. Essa conquista extraordinária foi alcançada em apenas uma geração.

Em especial ao longo da última década, cientistas chineses ganharam vantagem nessas duas medidas amplamente observadas de ciência de alta qualidade, e o crescimento da pesquisa de ponta no país não mostra sinais de desaceleração. A antiga ordem mundial da ciência, dominada por América, Europa e Japão, está chegando ao fim.

Conquistas da China na ciência

Atualmente, a China lidera o mundo nas ciências físicas, química e ciências da Terra e ambientais. A pesquisa aplicada é um ponto forte da potência asiática, que domina publicações sobre painéis solares de perovskita, que são potencialmente mais eficientes do que as células de silício convencionais na conversão de luz solar em eletricidade.

Químicos chineses desenvolveram um novo método para extrair hidrogênio da água do mar usando uma membrana especializada para separar água pura, que pode ser dividida por eletrólise. Em maio de 2023, foi anunciado que cientistas, em colaboração com uma empresa estatal de energia chinesa, desenvolveram uma fazenda flutuante piloto de hidrogênio na costa sudeste do país.

A China também produz mais patentes do que qualquer outro país. Com sua base industrial forte, combinada com energia barata, isso permite uma produção em larga escala rápida de inovações físicas, como materiais.

O país também demonstra seu poder científico de maneiras mais visíveis. No início deste mês, a nave espacial robótica Chang’e-6 da China pousou em uma cratera gigante no lado escuro da Lua, coletou amostras de rochas, plantou uma bandeira chinesa e partiu de volta para a Terra. Se retornar com sucesso no final do mês, será a primeira missão a trazer de volta amostras desse lado difícil de alcançar da Lua.

Estrutura da ciência chinesa

A reformulação da ciência chinesa foi alcançada focando em três áreas: investimento, equipamentos e pessoas. Em termos reais, os gastos da China em pesquisa e desenvolvimento (P&D) cresceram 16 vezes desde 2000.

Segundo os dados mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2021, a China ainda está atrás dos EUA em gastos totais em P&D, com 668 bilhões de dólares, em comparação com 806 bilhões de dólares dos EUA em paridade de poder de compra.

No entanto, em termos de gastos apenas por universidades e instituições governamentais, a China ultrapassou os EUA. Nesses locais, os EUA ainda gastam cerca de 50% a mais em pesquisa básica, mas a China está investindo fortemente em pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental.

Os investimentos são cuidadosamente direcionados para áreas estratégicas. Em 2006, o PCCh publicou sua visão para o desenvolvimento científico nos próximos 15 anos. Desde então, os planos quinquenais de desenvolvimento do partido incluíram projetos científicos.

O plano atual, publicado em 2021, visa impulsionar pesquisas em tecnologias quânticas, inteligência artificial (IA), semicondutores, neurociências, genética e biotecnologia, medicina regenerativa e exploração de áreas “fronteiriças” como espaço profundo, oceanos profundos e os polos da Terra.

Formação de cientistas

O desenvolvimento científico na China tem sido impulsionado por iniciativas como o “Projeto 211”, o “Programa 985” e a “China Nine League”, que forneceram financiamento a laboratórios selecionados para aprimorar suas capacidades de pesquisa.

Universidades chinesas oferecem bônus significativos aos funcionários, estimados em uma média de 44 mil dólares, podendo chegar até 165 mil dólares, para publicações em revistas internacionais de alto impacto.

Entre 2000 e 2019, mais de 6 milhões de estudantes chineses foram estudar no exterior, retornando recentemente em grande número com novas habilidades e conhecimentos. Dados da OCDE indicam que, desde o final dos anos 2000, mais cientistas estão voltando para a China do que saindo. Atualmente, a China emprega mais pesquisadores do que os Estados Unidos e a União Europeia juntos.

Programas de incentivo, como o “Youth Thousand Talents” lançado em 2010, oferecem bônus únicos de até 150 mil dólares e subsídios de até 420 mil dólares para montar laboratórios. Esse programa atraiu jovens pesquisadores de alta qualidade, que rapidamente se tornaram líderes em suas áreas.

Equipamentos e infraestrutura

A China tem investido pesadamente em equipamentos científicos. Em 2019, o país já tinha um inventário impressionante de hardware, incluindo supercomputadores, o maior radiotelescópio de abertura preenchida do mundo e um detector subterrâneo de matéria escura.

Desde então, a lista só cresceu, com a adição do detector de raios cósmicos ultra-alta energia mais sensível do mundo, o campo magnético de estado estacionário mais forte e, em breve, um dos detectores de neutrinos mais sensíveis do mundo.

Laboratórios individuais nas principais instituições chinesas estão bem equipados, com máquinas em instituições acadêmicas chinesas mais impressionantes e expansivas do que as dos EUA. No Advanced Biofoundry do Shenzhen Institute of Advanced Technology, por exemplo, há um edifício incrível com quatro andares de robôs.

Com universidades chinesas cada vez mais equipadas com tecnologia de ponta e pesquisadores de elite, além de salários competitivos, as instituições ocidentais tornam-se menos atraentes para jovens cientistas chineses. O resultado é que os estudantes na China não veem os EUA como uma ‘Meca científica’ da mesma forma que seus orientadores poderiam ter visto.

Conquistas em Inteligência Artificial

Em 2019, apenas 34% dos estudantes chineses que trabalhavam na área de inteligência artificial permaneceram no país para estudos de pós-graduação ou trabalho. Esse número subiu para 58% em 2022, segundo dados do AI Talent Tracker da MacroPolo, um think-tank estadunidense. Em comparação, nos EUA, esse percentual era de cerca de 98% em 2022.

Atualmente, a China contribui com cerca de 40% dos artigos de pesquisa mundiais em IA, em contraste com aproximadamente 10% dos EUA e 15% da União Europeia e Reino Unido combinados. Um dos artigos de pesquisa mais citados de todos os tempos, demonstrando como redes neurais profundas podem ser treinadas para reconhecimento de imagens, foi escrito por pesquisadores de IA trabalhando na China, embora para a Microsoft, uma empresa dos EUA.

Crescimento em pesquisa e desenvolvimento

O crescimento na qualidade e quantidade da ciência chinesa parece improvável de parar tão cedo. Os gastos com pesquisa em ciência e tecnologia continuam aumentando, com o governo anunciando um aumento de 10% no financiamento para 2024.

Em 2020, as universidades chinesas concederam 1,4 milhão de diplomas em engenharia, sete vezes mais do que os EUA. A China agora educou, no nível de graduação, 2,5 vezes mais pesquisadores de IA de primeira linha do que os EUA. Até 2025, espera-se que as universidades chinesas produzam quase o dobro de doutores em ciência e tecnologia em comparação com os EUA.

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Geraldo Naves

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