As obras de arte estonteantes foram desenhadas em um afloramento de arenito, com 19 km de extensão. Ele é conhecido como Serranía de la Lindosa e reproduz dezenas de milhares de ilustrações de humanos, animais e seres mitológicos, todos pitados em ocre vermelho.
Os estudiosos pensam que as imagens mais antigas, que se encontram em Guaviare (Colômbia), têm mais de 11 mil anos. Contudo, a presença de grupos paramilitares na região impediu que o local fosse descoberto, algo ocorrido em 2016, segundo o IFLScience.
Como a história contada pela arte rupestre foi decifrada
- De 2018 até agora, os pesquisadores tentaram descobrir o significado e a importância das pinturas;
- Para isso, eles foram auxiliados por anciãos indígenas das comunidades locais Tukano, Desana, Matapí, Nukak e Jiw;
- A colaboração foi crucial para que os especialistas entendessem o que a valiosa arte rupestre conta;
- Em resumo, ela faz alusão a uma dimensão espiritual oculta que os xamãs são capazes de navegar ao se transformarem em animais.
Em declaração, Jamie Hampson, professor e autor do estudo, explicou melhor o significado das imagens. “Descendentes indígenas dos artistas originais nos explicaram, recentemente, que os motivos da arte rupestre aqui não simplesmente ‘refletem’ o que os artistas viram no mundo ‘real’. Eles também codificam e manifestam informações críticas sobre como comunidades indígenas animistas e perspectivistas construíram, se envolveram e perpetuaram seus mundos ritualizados e socioculturais.”
Ou seja, como foi explicado por Ulderico, especialista em rituais Matapí, aos pesquisadores, para entender o que as imagens significam, “você tem que olhar [os motivos] do ponto de vista xamânico”.
Os autores pontuam que a cosmologia indígena amazônica se baseia em conceito chamado pelos antropólogos de Novo Animismo, no qual “o corpo físico de cada ser vivo pode ser imaginado como uma ‘capa externa’ (ou ‘roupa’) escondendo sua forma humana”.
Para conseguirem interagir com a verdadeira essência de outros seres, os xamãs, ritualisticamente, se desfazem de suas coberturas superficiais e entram em reino espiritual, no qual os limites entre as espécies são extintos.
Por exemplo: os xamãs costumam ser conceituados em forma de onça, enquanto navegam nessa dimensão sobrenatural. Nela, podem acessar o conhecimento e o poder espiritual que o animal no qual é conceituado esconde sob seu exterior físico.
“A palavra Desana yee, por exemplo, significa tanto onça quanto xamã – e há inúmeros exemplos etnográficos na Amazônia de especialistas em rituais se transformando em onças”, explicaram os pesquisadores.
“Argumentamos que a arte rupestre aqui está conectada a especialistas rituais negociando reinos espirituais, transformação somática e a interdigitação de mundos humanos e não humanos”, prosseguiram.
Tal interpretação é apoiada pela vasta quantidade de cenas vistas na arte rupestre retratando transformações teriantrópicas, por meio das quais os humanos são dotados de características de animais, como se transformassem em cobras, onças, pássaros, etc.
“Os falantes de Tukano, Desana, Matapí, Jiw e Nukak que nos acompanharam aos sítios de arte rupestre destacaram essas imagens, discutindo a transformação fluida entre os estados animal e humano”, disseram os autores.
Segundo Hampson, a colaboração marca “a primeira vez que as opiniões dos anciãos indígenas sobre a arte rupestre de seus ancestrais foram totalmente incorporadas à pesquisa nesta parte da Amazônia”.
“Ao fazer isso, isso nos permite não simplesmente olhar para a arte da perspectiva de um estranho e adivinhar. Isso nos permite entender que essa é uma arte sagrada e ritualística, criada dentro da estrutura de cosmologia animista, em lugares sagrados na paisagem. Também enfatiza como os sistemas de crenças e mitos indígenas precisam ser levados a sério”, concluiu.
O estudo foi publicado na Arts.
Fonte: Olhar Digital