Como o mercúrio chega ao garimpo e por que é preciso bani-lo do Brasil
Metal pesado que contamina indígenas é altamente tóxico e precisa de mais controle na cadeia de produção e comércio
Dario Kopenawa, líder na Terra Indígena (TI) Yanomami, descreve uma grave situação de saúde pública. “As crianças [nas aldeias] nascem sem braços, já está acontecendo isso. E as mulheres estão com problema de infecção urinária. Está afetando os problemas de cabeça neurológicos. E as pessoas ficam meio perturbadas. Outras crianças já morreram”, disse ao Brasil de Fato em abril de 2024.
A causa da má formação congênita em bebês é, segundo a Fiocruz, o mercúrio, um metal pesado utilizado no garimpo ilegal de ouro na Amazônia. Ele é usado pelos garimpeiros para purificar o minério extraído da terra ou do fundo dos rios. Entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio podem ter sido utilizadas em garimpos ilegais no Brasil, segundo um estudo recente do Instituto Escolhas.
Na TI Yanomami, o governo federal conseguiu expulsar a maioria dos garimpeiros, mas grupos armados ainda resistem. O território voltou a sofrer invasões depois que o espaço aéreo sobre a região foi reaberto.
Rafael Giovanelli, pesquisador e gerente de projetos do Instituto Escolhas, aponta que a China é o líder mundial em produção de mercúrio. O metal entra no Brasil principalmente pelas fronteiras dos países fronteiriços na Amazônia.
Também chamado de azougue, o mercúrio é comumente comercializado em grupos garimpeiros no WhatsApp. Sem muito esforço, a reportagem encontrou inúmeros anúncios como esse abaixo, que estava em um grupo virtual de garimpeiros do Pará, estado que mais produz ouro ilegal no Brasil.
“A Bolívia é um dos principais importadores de mercúrio, mas não tem uma produção de ouro consistente. Na nossa análise, a quantidade de mercúrio que entra no país não corresponde à produção de ouro. O Peru também é um grande exportador de mercúrio, exportando para o resto do mundo. A Guiana tem uma quantidade considerável [de mercúrio] circulando em suas fronteiras”, explicou Giovanelli.
Controle do comércio precisa ser aperfeiçoado
Os mecanismos de controle do mercúrio no Brasil são rigorosos na teoria, mas na prática apresentam muitas fragilidades. O Ibama exige o cadastramento de comerciantes e a obtenção de autorizações específicas para cada operação comercial envolvendo o metal.
Mas fiscalizações são esporádicas e a verificação da origem e destino do mercúrio é ineficiente, permitindo que grandes quantidades circulem ilegalmente. Além disso, a fronteira internacional amazônica é vasta. Atribuída pela Constituição aos militares, a fiscalização nessas áreas toca apenas a ponta do iceberg.
“O Ibama tem um cadastro que consegue mapear alguns elos da cadeia, mas não todos. E não existe um instrumento tão forte de rastreabilidade, com um documento que acompanha a substância,” destaca Giovanelli.
Para solucionar o problema, o Ibama está reformulando o controle de compra e venda do mercúrio. O órgão ambiental afirmou que as novas regras vão começar a valer em breve. Serão exigidos documentos para cada etapa: no transporte, no uso e no armazenamento do metal pesado. Comprovar a origem lícita do mercúrio será uma forma de impedir que a substância caia nas mãos de garimpeiros ilegais.
Contaminação grave passa da mãe para o bebê
Segundo a Fiocruz, o mercúrio é extremamente tóxico e seus efeitos na saúde humana são devastadores. Ele entra no organismo humano principalmente através da ingestão de água e alimentos contaminados, como peixes dos rios poluídos pelo garimpo. Uma vez no corpo, ele se acumula nos tecidos, afetando principalmente o sistema nervoso central e pode passar de mãe para filho durante a gestação.
Paulo Basta, médico e pesquisador da Fiocruz, conheceu de perto os efeitos da contaminação. Ele esteve na TI Yanomami e constatou presença do metal pesado no organismo de todos os indígenas examinados.
“Quando a exposição de mercúrio é maciça, isso pode comprometer a vida reprodutiva das mulheres. Elas podem não conseguir levar a gestação até o final, ter aborto de repetição. Quando conseguem parir, a criança muitas vezes nasce com síndromes neurológicas, paralisia cerebral ou malformações congênitas. Então são problemas graves”, relatou.
Casos severos como esses, porém, são mais raros. O mais comum é que a doença progrida de forma lenta e insidiosa.
“O que a gente costuma ver com mais frequência são crianças que nascem aparentemente normais. Mas, à medida que o tempo passa, você percebe alguns atrasos nos marcos do neurodesenvolvimento. Por exemplo, a demora para sustentar a cabeça, a sentar, a engatinhar, a ficar de pé, a dar os primeiros passos, e a falar as primeiras palavras. Quando a criança atinge a idade escolar, você percebe que ela tem dificuldade de aprendizado,” explica Basta.
Colômbia baniu mercúrio e Brasil precisa fazer o mesmo
O Instituto Escolhas defende que o Brasil siga o exemplo da Colômbia, que baniu o uso de mercúrio nos garimpos, ou da indústria de cosméticos, que também deixou de utilizar o metal pesado.
“A gente tem que caminhar para a completa eliminação do uso do mercúrio. Em toda a indústria, mas especialmente no garimpo, porque ele está causando um mal muito grave para o meio ambiente e para as pessoas,” concluiu Rafael Giovanelli.
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Fato Novo com informações e imagens: Brasil de Fato