Família denuncia sumiço de rim após morte de mulher em hospital do DF
Paciente de 74 anos morreu no HRT e não tinha autorizado a doação dos órgãos. Família afirma que não foi consultada para o procedimento
Após passar dias em busca de tratamento na rede pública do Distrito Federal, Emídia Nunes Chavante Oliveira (foto em destaque), de 74 anos, morreu no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), em 31 de março de 2024. Depois da autópsia, a família ficou surpresa ao constatar o sumiço do rim esquerdo dela.
Sofrendo com enjoo, tontura e dores na barriga e nas costas, Emídia foi atrás de atendimento em 27 de março, mas só foi internada no HRT três dias depois.
De acordo com a família, houve negligência e demora. Após a internação, Emídia passou por tomografia que, além de mostrar os dois rins, apontou acúmulo de líquido no abdome e na pelve.
Por volta de 1h de 31 de março, Emídia sofreu uma parada cardíaca. Foi reanimada e colocada em ventilação mecânica por 28 minutos. Depois, sofreu uma nova parada. Tentou-se a reanimação por mais 45 minutos, sem sucesso. O óbito foi constatado às 02h17.
Segundo os parentes, o HRT informou que a causa da morte foi infecção urinária, mas a certidão de óbito apontou “morte por peritonite aguda fibrino purulenta, devido a diverticulite perfurada de colo sigmóide, em portador de hipertensão arterial e diabete melito”. Ou seja, infecção causada por fezes e urina na região abdominal, após perfuração interna.
Ausência de rim
De acordo com os parentes, eles não conseguiram ver o corpo no hospital. Além disso, houve resistência ao pedido de autópsia, e funcionários da Secretaria de Saúde teriam insinuado que a mulher morreu de Covid, o que impediria a análise.
Após muita insistência e com a comprovação de que a mulher não estava com Covid, o procedimento foi realizado em 2 de abril.
Emídia não era doadora de órgãos, e a família não foi procurada para a possibilidade de doação nem autorizou tal procedimento.
A família registrou ocorrência na Polícia Civil (PCDF) e solicitou explicações da Secretaria de Saúde.
Central de transplante
Segundo os filhos de Emídia, foram realizadas alterações no prontuário dias após a morte, inclusive uma suposta movimentação na Central Estadual de Transplante. Para a família, o registro também levantou dúvidas sobre o destino das córneas dela.
Em 11 de abril, houve a inserção da seguinte informação: “CIHDOTT-Comissão intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos a Transplantes. Acesso prontuário para confecção de relatório da CIHDOTT e encaminho a NOPO-DF”. O processo envolve a central de transplantes e a núcleo de doação de córneas.
Segundo o Ministério da Saúde, “no Brasil, a retirada de órgãos só pode ser realizada após a autorização familiar. Assim, mesmo que uma pessoa tenha dito em vida que gostaria de ser doador, a doação só acontece se a família autorizar”.
“É um descaso com o corpo, sem falar de vilipendio. É grave. É um crime invisível. Se a família não tivesse aceito a necropsia, o que teria sido feito desse corpo?”, disse o advogado Kenneth Chavante, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil seccional DF (OAB-DF) em Samambaia, que representa a família.
A feirante Gidália Nunes Oliveira, 48, filha de Emídia, afirma estar revoltada. “Nossa mãe entrou com os dois rins no hospital. Onde está o outro rim dela? Nós queremos Justiça. Não queremos que isso aconteça com outras pessoas.”
Família revoltada
O feirante Josué Nunes de Oliveira, 42, filho de Emídia, disse querer respostas. “A gente não sabe o que foi feito com o órgão dela. E se foi para algum ritual? Se foi para ser vendido? E se estão fazendo isso com outras pessoas. Se estão deixando as coisas acontecerem para fazer esse tipo de coisa? Porque o ser humano é perverso”, disse.
Ele contou que ficou consternado ao receber a seguinte mensagem da mãe: “Meu filho, eu estou morrendo”. “Eu queria gritar, queria brigar. E eu tinha medo que eles, com raiva, fizessem algum mal com a minha mãe. Eu pedia pelo amor de Deus que quando o médico chegasse fizesse a análise do exame. Mas ele não fez”, acusou.
Segundo o advogado da família, a vida da mulher poderia ter sido salva se os médicos não demorassem tanto. “Os exames apontaram que a paciente tinha uma decadência da saúde. Mas não se atentaram aos líquidos soltos dentro da barriga, da pelve”, comentou. “Então haveria a possibilidade de tratá-la, fazer toda a assepsia, a limpeza, e tentar salvar a vida dela”, ressaltou.
Atrofia
Em nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal afirmou que “a hipótese levantada é de que possa ter ocorrido uma atrofia do órgão devido a um processo infeccioso, comum em pacientes diabéticos com histórico de infecção do trato urinário, o que pode levar à diminuição de volume do rim”.
A pasta acrescentou que “não houve sinais de extração do órgão, o que foi confirmado pela ausência de cicatrizes ou evidências cirúrgicas no período da internação, sendo o caso objeto de um inquérito policial que vai apurar o ocorrido”.
A secretaria lembrou que “a captação de órgãos no Brasil, incluindo rins, só é permitida a partir de um diagnóstico de morte encefálica, o que não foi o caso da senhora Emídia”. “A pasta destaca que, tal captação é realizada exclusivamente no Hospital de Base e no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (ICTDF), e em nenhum momento a paciente foi transferida para essas unidades.”
Sobre as córneas, a pasta informou que a doação “pode ocorrer após uma parada cardiorrespiratória (PCR)”, mas que “qualquer captação de órgãos ou córneas exige a autorização formal da família (até 2º grau), mediante a assinatura do Termo de Autorização para Doação de Órgãos e Tecidos, com a assinatura de duas testemunhas. Conforme verificação no Sistema Nacional de Transplantes (SNT), a paciente não estava registrada como doadora de órgãos ou córneas”.
“A SES destaca que, devido ao quadro clínico da paciente, ela não seria elegível para doação, e por isso, não houve abordagem à família nem captação de órgãos ou tecidos”, acrescentou.