“O maior causador do problema ambiental no DF é a grilagem”, diz o juiz Carlos Maroja

“O maior causador do problema ambiental no DF é a grilagem”, diz o juiz Carlos Maroja

POR ANA DUBEUX — Confira a entrevista com Carlos Maroja, juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), titular da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, para a coluna Eixo Capital deste domingo (22/9).

O senhor faz alertas há muito tempo sobre o perigo das queimadas no DF. Como se sente ao ver as lideranças politicas batendo cabeça para tentar explicar a inércia do poder público em relação ao avanço dos incêndios?

— De fato, há muitos anos venho enfatizado a necessidade de maior comprometimento dos poderes públicos com a proteção ambiental exigida pela Constituição Federal e Lei Orgânica do DF. Nesse tempo, o que tenho visto é o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e controle ambiental (o que inclui os aspectos urbanístico e cultural). Os incêndios são apenas parte de um problema que se articula com a omissão para com todos os demais aspectos ambientais. É necessário mais conscientização dos cidadãos para com um problema enorme que já está diante dos nossos olhos, pois as lideranças políticas apenas refletem o pensamento dos que as elegem, ou seja, o problema é bem maior do que apenas as lideranças. Vejo tudo isso com certa tristeza, mas também como um desafio a insistir nos esforços por educação ambiental, a única forma de se conscientizar e engajar a sociedade em prol da defesa da natureza.

Os governos local e federal reconhecem a existência de organização criminosa na região. Eles têm feito o que para inibir a expansão irregular na região?

— O maior causador do problema ambiental no DF é a grilagem. Provavelmente os incêndios vêm sendo causados para propiciar o avanço sobre terrenos, após a remoção da vegetação pelo fogo. As polícias até se esforçam para investigar e reprimir, mas parece-me que têm uma estrutura escassa para o tamanho do desafio. Há apenas uma delegacia do meio ambiente, com agentes bem preparados e dispostos ao trabalho, mas num efetivo muito aquém do necessário. Não tenho visto muito empenho do governo federal nesta questão, mesmo sabendo que há organizações criminosas atuando em unidades de conservação com status nacional, como é o caso da Floresta Nacional de Brasília.

Em entrevista ao Correio, o professor Reuber Brandão, da Biota da UnB, alertou sobre a existência do chamado ecoterrorismo? O senhor concorda ?

— Concordo. Não só o ecoterrorismo, mas também o ecocídio deveriam ser objeto de atenção pelo legislador. Se o terrorismo e o genocídio são crimes abomináveis, com muito mais razão devem ser considerados o ecoterrorismo e o ecocídio, que atingem não apenas seres humanos, mas todas as formas de vida, inclusive e principalmente a humana.

O senhor tem estatísticas sobre quantos incêndios ambientais resultam em condenações, prisões ou multas efetivas?

— Não tenho números exatos sobre isso, até porque a Vara do Meio Ambiente não tem jurisdição criminal, mas pelo que tenho conhecimento, as condenações criminais por crimes ambientais em geral são raras, e quando ocorrem, resultam em sanções muito brandas, pois a lei é um tanto condescendente neste aspecto, e o Legislativo tem demonstrado não ter interesse em tratar isso mais a sério.

Por que temos a sensação de que a maioria dos crimes ambientais, como os incêndios, ficam impunes?

— Porque ficam impunes mesmo, graças a uma legislação leniente e a um sistema de fiscalização deficiente. Conheço vários casos de grileiros notórios que há décadas atuam no Distrito Federal causando danos imensos, mas que jamais foram condenados. É muito comum a ocorrência de prescrições nessas ações penais e, quando há condenação, normalmente vira uma pena alternativa.

A legislação ambiental brasileira é considerada muito boa, em relação às de outros países. Por que a legislação não é cumprida com rigor?

— Nós temos uma das primeiras, senão a primeira Constituição no mundo que tratou da questão ambiental, nós temos uma lei de crime ambiental, que tratou inclusive de modo pioneiro a responsabilidade de empresas, a responsabilidade por omissão dos gestores publicos, mas a gente vê isso pouco cumprido porque o sistema de fiscalização funciona mal. As polícias têm boa vontade, mas são mal equipadas, têm efetivo pequeno. Os casos muito raramente chegam ao Judiciário. Os criminosos ambientais são pessoas ricas porque são crimes altamente rentáveis … As leis são avançadas, mas as sanções são modestas.

O Poder Judiciário está apto a agir quando forem iniciados os processos contra os acusados de provocar incêndios?

— O Poder Judiciário é bem aparelhado para atuar nos casos que cheguem até ele. Para que o Judiciário julgue, é preciso toda uma preparação: uma polícia que investigue, um Ministério Público que denuncie … O Judiciário tem pouca demanda efetiva.

O Ministério Público e as polícias têm atuado com rigor para ajudar a apontar os responsáveis pelos crimes ambientais?

— Sim, o MP e as polícias atuam e têm interesse, mas há uma estrutura para atuar. A gente viu a grita para extinguir a extinta Agefis até pela pressão popular. Tenho a impressão que há pouca vontade política de tratar o tema com seriedade.

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Fato Novo com informações e imagens: Correio Braziliense

Geraldo Naves

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