Parcialidade: entenda por que a juíza Gabriela Hardt foi afastada do Judiciário

Parcialidade: entenda por que a juíza Gabriela Hardt foi afastada do Judiciário

Berlinque Cantelmo afirma que possível quebra dos princípios de imparcialidade e neutralidade de Gabriela Hardt podem configurar conduta criminosa e ensejar outros processos contra a magistrada

Ex-titular da 13ª Vara de Curitiba e substituta do ex-juiz Sergio Moro, a juíza Gabriela Hardt foi afastada de suas atividades no Judiciário, nesta segunda-feira (15), por decisão do corregedor-nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, por supostamente burlar ordem processual, violar o código da magistratura e incorrer em prevaricação. Além da juíza, foram afastados por Salomão três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

A decisão do corregedor, tomada a partir da correição extraordinária na 13ª Vara Federal e que já foi encaminhada aos pares do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dá conta de que a juíza admitiu ter discutido previamente decisões com integrantes da extinta operação Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) – o que é ilegal. Também são apontadas “violações ao dever funcional de prudência, separação dos poderes e ao código de ética da magistratura”.

Segundo o CNJ, entre outras irregularidades, Gabriela Hardt avalizou a criação da fundação Lava Jato abastecido com recursos da Petrobras com base em “informações incompletas e informais, fornecidas até mesmo fora dos autos pelos procuradores de Curitiba. Tal operação, que agora está sob investigação, é vista como semelhante a um esquema de ‘cash back'”.

Além disso, Salomão aponta que, em seus diálogos com procuradores da Lava Jato, a juíza teria incorrido em parcialidade, contaminando o processo judicial. O corregedor diz ser “inconcebível que a investigada possa prosseguir atuando, quando paira sobre ele a suspeita de que o seu atuar não seja o lídimo e imparcial agir a que se espera”.

Em entrevista à Fórum, o advogado Berlinque Cantelmo, especialista em ciências criminais, destrinchou a decisão de Salomão e ajudou a “traduzi-la”. Ele explica que há suspeitas de que algumas decisões tomadas pela juíza em primeira instância, que foram mais tarde confirmadas em segunda instância, podem não ter sido completamente neutras ou justas.

Segundo Cantelmo, a investigação também está olhando para as relações entre a juíza e membros do MPF no âmbito da Lava Jato, gerando preocupação que esses relacionamentos possam ter comprometido a imparcialidade da juíza.

“A decisão do ministro Luiz Felipe Salomão chega ao CNJ com uma roupagem, com uma robustez maior em razão da aproximação de determinadas interpretações dadas às decisões de segunda instância que corroboraram decisões vacilantes proferidas pela juíza Gabriela Hardt em primeira instância. A questão que envolve, inclusive, a construção de fundos de gestão dos recursos apreendidos e bloqueados na operação Lava Jato por membros da suposta força-tarefa que compunham a época braços do Ministério Público, e que mantinham contatos constantes e subsequentes com a juíza, induzem a uma perspectiva de parcialidade“, pontua o especialista.

O advogado menciona ainda que uma possível quebra dos princípios de imparcialidade e neutralidade por parte da juíza podem levar a processos disciplinares adicionais, e algumas de suas ações podem até ser consideradas criminosas.

“A inoportuna e inadequada intervenção do Ministério Público, como órgão persecutório e como, obviamente, parte dessa conjuntura decisória, quebrando com isso o princípio da inércia da impessoalidade e da imparcialidade do juízo, irá culminar com a implementação de outro processo administrativo contra a magistrada [Gabriela Hardt], visando apurar a perspectiva disciplinar de determinadas condutas, sem prejuízo do afloramento de condutas que podem ser tipificadas como criminosas em algum aspecto”, diz Berlinque Cantelmo.

Para além da sanção à juíza, Cantelmo destaca que a decisão de Luís Felipe Salomão em afastá-la de suas funções indicam uma mudança mais ampla no sistema judiciário brasileiro: de um sistema acusatório para um mais justo e equitativo, alinhado com a democracia e os direitos constitucionais. Essa transição, para o advogado, é vista como essencial para garantir que as relações entre os acusadores, os acusados e os juízes sejam justas e imparciais.

“A parte interessante dessa decisão, ainda que cautelar, é que de fato a interpretação dada a ela perpassa por um background, por um pano de fundo de convalidação da implementação do sistema acusatório no processo penal brasileiro. E isso nos passa uma mensagem de amplitude e de também sedimentação da perspectiva constitucional de recepção desse princípio que rechaça, que erradica, do ordenamento jurídico brasileiro o antigo sistema inquisitório e, na perspectiva de implementação do Estado Democrático de Direito, passa a, de fato, regular as relações entre partes processuais e magistrados, notadamente em processos criminais”.

A Fundação Lava Jato: entenda o caso 

Em janeiro de 2019, foi assinado um acordo entre o Ministério Público Federal de Curitiba, a Petrobras e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que previa a criação de um fundo de R$ 2,5 bilhões com dinheiro de acordos de leniência e delação premiada. O fundo seria gerido pelos procuradores da Lava Jato, liderados por Deltan Dallagnol. Gabriela Hardt, então juíza substituta, inicialmente homologou este acordo, mas suspendeu-o após críticas públicas.

Em março de 2019, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também interveio, suspendendo o acordo e congelando os valores, alegando que a gestão do dinheiro não correspondia às obrigações dos membros do MPF e que o acordo não indicava a 13ª Vara Federal de Curitiba como destinatária necessária dos valores.

“Importante destacar, ainda, que os termos do acordo realizado entre a Petrobras e o governo norte-americano, além de não indicarem os órgãos do MPF/PR como sendo as ‘autoridades brasileiras’ destinatárias do pagamento da multa, igualmente jamais indicaram a obrigatoriedade ou mesmo a necessidade do depósito dos valores ser realizado perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba”, escreveu Moraes à época.

Além disso, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) e outros parlamentares questionaram a ação de Hardt, alegando que ela agiu fora de sua competência ao homologar um acordo cível, pedindo ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a declaração de ilegalidade de sua conduta. Embora a reclamação inicialmente tenha sido arquivada pelo CNJ, o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, reabriu a questão, destacando novos elementos que sugerem irregularidades na homologação do acordo, incluindo evidências de que Hardt foi procurada antes da assinatura para discutir detalhes do acordo em questão. Foi aí, então, que o corregedor instaurou a correição extraordinária na 13ª Vara Federal de Curitiba, cuja conclusão ensejou o afastamento da juíza determinado nesta segunda-feira (15).

“Não parece razoável que, a pretexto de combater a corrupção, se pratique a corrupção. Não parece razoável que, sem uma apuração adequada, possamos dizer com tranquilidade: isso aqui (a reclamação) está sendo arquivado porque não tem nada”, havia pontuado Salomão.

 


Fato Novo com informações: Revista Fórum

Geraldo Naves

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