Mais negócios, menos violência

A professora Camila Nunes Dias lembra que todo o projeto de expansão do PCC evita a violência de maneira explícita, pois a avaliação é de que isso causa apenas prejuízos.

Primeiro, a avaliação é de que a escalada de mortes causa baixas também em suas fileiras. Em segundo lugar, isso atrapalha o comércio local de drogas, pois atrai a atenção policial e da imprensa. E, em último lugar, tem um custo financeiro e para a imagem da facção, que prefere não ser vista socialmente como causadora de um banho de sangue.

Dias explica que a estratégia de expansão da facção paulista tende a evitar assassinatos em série ou ameaça cometida diretamente pelo PCC. Ela afirma que isso só ocorre quando esses recursos econômicos são mais escassos ou algo foge muito do controle da facção.

Mensagem mostra liderança do PCC rebatendo acusações do Comando Vermelho e fazendo acusações contra facção carioca
CRÉDITO,REPRODUÇÃO – Legenda da foto,Mensagem mostra liderança do PCC rebatendo acusações do Comando Vermelho e fazendo acusações contra facção carioca

“As estratégias do PCC não passam necessariamente pela violência, de chegar matando todo mundo. O fato é que o PCC tem uma pretensão de expansão e, obviamente, isso vai se chocar com a existência de outros atores. E acaba gerando conflito, muitas vezes extremamente violento, porque são todos atores armados”, diz a pesquisadora.

“Uma coisa que a gente não tem muita informação concreta, mas a gente tem pistas, é sobre o quanto o PCC arma um grupo para lutar com outro, como ocorreu no Ceará com a facção Guardiões do Estado (GDE), que teve uma guerra violentíssima contra o Comando Vermelho. O PCC não aparece, mas está por trás da GDE.”

A facção arma e estrutura o grupo menor para que ele cresça, derrote o inimigo e se alie a ele. Tudo isso com a intenção de não sofrer baixas e prejuízos próprios, segundo a pesquisadora.

Mensagem do Comando Vermelho em fevereiro de 2019 contra a facção Família do Norte, que hoje está praticamente extinta
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O impacto do PCC no Norte

O PCC surgiu em 1993 dentro de presídios brasileiros. Mas o grupo, cuja existência por muito tempo chegou a ser praticamente negada pelo Estado, só se tornou conhecido nacionalmente com as rebeliões em prisões dos anos 2000.

Na última década, as facções criminosas passaram a ver a região Norte como uma mina de ouro, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem.

Isso ocorre porque a região funciona como rota de escoamento da cocaína produzida no Peru até sua distribuição na Europa, conforme autoridades e pessoas que estudam os conflitos regionais.

O controle desse acesso é valioso porque apenas uma carga transportada num pequeno barco pode render milhões de reais, segundo especialistas.

Pesquisadores disseram à BBC News Brasil que a chegada do PCC na região Norte mudou não apenas a dinâmica das facções e organização dentro dos presídios, mas também a sociedade local como um todo.

Além do tráfico de drogas, outras atividades criminosas, como o garimpo, a exploração de madeira e o comércio ilegal de animais da fauna local, como tartarugas e aves, também foram impactados pelos crescentes conflitos.

Rodrigo Chagas, professor de Ciências Sociais na Universidade Federal de Roraima (UFRR) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que a facção paulista influencia na dinâmica da criminalidade, na linguagem local e até mesmo na cultura indígena.

“Entrevistei um venezuelano do PCC que tenta imitar o sotaque de São Paulo e falar como os moradores da periferia paulistana sem nunca ter pisado lá. Isso é algo que se espalha pelo Norte por meio das prisões e depois vai ocupando as periferias”, conta.

O professor da UFRR diz que o PCC também passou a implantar suas regras e visão empresarial assim que passou a dominar os garimpos do Norte. A facção impôs suas próprias regras em atividades criminais que antes não tinham essa interferência.

O professor conta que, recentemente, a facção matou um homem que se casou com uma garota de programa que atuava no garimpo.

“O garimpo funcionava de outra maneira, como uma instituição. Era comum um garimpeiro se apaixonar e levar a garota de programa para morar com ele. Ela aceitava parar de fazer programas para viver esse romance. Agora, a facção não aceita que tirem a mulher do cabaré deles”, diz Rodrigo Chagas.

O professor também afirma que o calibre das armas usadas pelos criminosos locais aumentou com a chegada do PCC. E, consequentemente, a violência também.

Dicionário PCC: as categorias usadas pela facção

Sintonia:

Como é chamada a liderança de um setor importante da facção. Exemplo: a sintonia dos gravatas é o responsável pelos advogados do PCC. Sintonia do Estado é o administrador estadual da facção

Facção:

Grupo criminoso que possui reconhecimento nacional, como Comando Vermelho, Primeiro Comando da Capital e Amigo dos Amigos

Grupo:

Formação criminosa com relevância regional, como alguns grupos do Sul, Norte e Nordeste do País. São equivalentes a uma quadrilha

Bonde:

Grupos menores e desorganizados formados normalmente por jovens que se juntam para cometer crimes, como arrastões, roubo de carga e pequeno tráfico. Em Manaus, são conhecidos como galerosos. Em Goiás, também há bondes, mas que normalmente são absorvidos pelas facções

Guerrilha:

São grupos como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que possuem alguma motivação política e que depois acabam também participando de atividades ilícitas, como a venda de drogas.