Um Parque Nacional da Tijuca que poucos conhecem
Por oito anos, o fotógrafo de natureza Vitor Marigo se dedicou a fotografar lados pouco conhecidos do parque nacional mais visitado do país, resultado do trabalho pode ser conferido em novo livro
Inserido no coração da metrópole carioca, o Parque Nacional da Tijuca é reconhecido por ser o parque que recebe maior número de visitantes no país e lar de um dos maiores cartões-postais da cidade: o Corcovado e o Cristo Redentor. Ainda assim, conhecer apenas estes atrativos significa uma minúscula fração de tudo que a área protegida oferece. Em 2017, o fotógrafo de natureza Vitor Marigo embarcou na missão de apresentar o público – e os próprios cariocas – ao verdadeiro Parque Nacional da Tijuca. O resultado desse trabalho de oito anos é o seu recém-lançado livro de fotografias que carrega o nome do parque.
A viagem visual pelas 216 páginas do livro e suas 319 fotografias levam os leitores a conhecer os quatro setores que compõem o parque nacional e trazem registros que vão desde os pontos turísticos e diferentes perfis de visitantes que frequentam a área protegida, até trabalhos de pesquisa – com destaque para o Projeto Refauna, que se dedica a trazer de volta espécies extintas localmente no parque e que foi acompanhado de perto por Vitor desde o princípio.
O objetivo do fotógrafo com o livro é justamente “mostrar que o parque é de todos. E o propósito do meu trabalho sempre foi o de aproximar as pessoas da natureza”, conta Vitor Marigo em entrevista a ((o))eco.
Aos 40 anos, o fotógrafo de natureza, que já teve suas fotos publicadas em veículos como National Geographic Brasil, Lonely Planet, BBC e em ((o))eco, vê nascer seu primeiro livro autoral de fotografias, com textos em português e inglês. A obra é dedicada ao seu pai, o também fotógrafo de natureza Luiz Claudio Marigo, e ao amigo Peterson de Almeida, antigo funcionário do parque carioca e um dos responsáveis por apresentar Vitor aos lados menos conhecidos da Tijuca.
Com a permissão da unidade de conservação de frequentar a área fora dos horários de visitação, Vitor teve a oportunidade de conhecer um Parque Nacional da Tijuca que não se mostra a qualquer um e fotografar dos primeiros aos últimos raios de sol em algumas das paisagens mais icônicas do Rio de Janeiro. E até mesmo explorar o parque de noite e ver a sinfonia da floresta mudar com outros personagens da fauna notívaga.
O trabalho resultou no que Vitor Marigo classifica como “o maior acervo de fotos inéditas do Parque Nacional da Tijuca” e no livro, que já pode ser encomendado online.
O fotógrafo conversou com ((o))eco na semana anterior ao lançamento do livro, realizado no dia 9 no Parque Natural Municipal da Catacumba, no Rio de Janeiro, onde inaugurou ainda uma exposição com suas fotos.
Confira abaixo a entrevista de ((o))eco com Vitor Marigo:
((o))eco: O PNT é um parque que tem um destaque enorme, é o mais visitado do país. De onde surgiu a ideia de fazer um livro de fotografias e o que você acha que esse livro traz de diferente para retratar esse parque que já foi tantas vezes retratado?
Vitor Marigo: Uma coisa que meu pai [Luiz Claudio Marigo, fotógrafo de natureza] sempre me ensinou é que quando a gente vai fazer alguma coisa, ainda mais sendo fotógrafo documental, você tem que se dedicar com profundidade.
E esse projeto tem muito a ver com o Peterson de Almeida, antigo funcionário do Parque Nacional da Tijuca [atual gestor do Parque Nacional Grande Sertão Veredas] e meu amigo. Inclusive eu dedico o livro a ele e ao meu pai. Porque o Peterson foi a primeira pessoa que eu falei da ideia do livro e ele apoiou muito. E foi através do meu contato com ele que descobri que eu, que achava que conhecia o Parque Nacional da Tijuca, na verdade só conhecia o parque de forma superficial.
Porque você achar que conhece o Parque Nacional da Tijuca porque você já foi no Corcovado, Paineiras, Parque Lage e Pico da Tijuca, é a mesma coisa que você dizer que conhece o Rio porque foi em Copacabana. E isso me deu vontade de ir mais a fundo e conhecer tudo que era possível no parque, cada ruína, cada trilha.
O livro é organizado por capítulos e setores de visitação. O primeiro capítulo “Floresta na Cidade” são fotos da floresta vista de fora, mostrando onde ela está e como ela se mistura com a cidade do Rio de Janeiro. Depois os outros capítulos são por setor, com os pontos visitáveis de cada um deles. São mais de 60 pontos documentados no livro, está bem completo. Acho que até para quem trabalha lá, o livro pode revelar coisas que ninguém conhece, porque eu fiquei oito anos investido em visitar todos os lugares possíveis, em todas as condições possíveis, já que eu tinha permissão do parque para visitar em horários alternativos. Eu espero que o livro revele um parque incrível que as pessoas não conhecem e não sabem que existe.
Outra motivação para fazer esse projeto é que o Parque Nacional da Tijuca é o lugar onde eu moro. É muito mais fácil eu fazer o livro sobre o lugar que eu moro do que sobre os Lençóis Maranhenses, por exemplo. Ser na minha cidade permitiu com que eu me dedicasse com muito mais profundidade a esse projeto. Sem falar que são imagens famosas de uma cidade famosa, é o parque mais visitado do país, então isso facilita inclusive conseguir patrocínio. Então quando eu comecei a juntar as peças, fez todo o sentido.
E o que você descobriu durante essa imersão de oito anos no parque?
Uma coisa que me fascinou conforme eu fui explorando mais o Parque Nacional da Tijuca é que ele é um parque extremamente singular. O Parque Nacional da Tijuca viveu todos os ciclos econômicos do país, o desmatamento para abrir as fazendas de café, viu a chegada da corte portuguesa indo frequentar a floresta… Tudo isso trouxe pro Parque Nacional da Tijuca um aspecto cultural e histórico que é muito difícil de encontrar em outros parques. Esse parque fala de natureza, mas também fala da história do país e da cidade do Rio de Janeiro. Você consegue ver as ruínas, fontes, captações de água… tudo isso dá um aspecto histórico único para o parque. É isso, você consegue contar muito da história do país e do Rio através do parque. Não é só natureza, bicho e paisagem, é Dom Pedro, é Barão de Escragnolle, Castro Maya, Burle Marx… Isso traz muita coisa interessante.
Houve algum ponto de toda essa história que chamou sua atenção?
Acho especialmente interessante as ruínas do Mocke [foto na capa da reportagem], que era um holandês, Alexander Van Mocke, que teve a maior fazenda de café, chegou a ter mais de cem mil pés de café e 16 edificações. Então quando você visita as ruínas, você vê todas essas edificações, tem uma jabuticabeira que revela o que devia ser um antigo pomar. E pelas pinturas antigas você tem uma dimensão da devastação, na época que aquilo era tudo café, e você via tudo da fazenda até a pedra da Gávea, era tudo pé de café. A fazenda fica ali na Serra da Carioca, na direção da Vista Chinesa. E se você seguir na trilha você passa por várias captações de água.
Você comentou que é o maior acervo de fotos inéditas do Parque Nacional da Tijuca. Que fotos são essas?
Inédita por duas razões. Tem lugares que nunca tinham sido fotografados profissionalmente e outros por questões de luz, porque eu tive permissão do parque para fotografar fora dos horários de visitação, então consegui fazer fotos de nasceres e pores do sol, de noite. Nunca ninguém tinha fotografado alguém deitado numa rede na garganta da Pedra da Gávea ou as vias de escalada da face sul do Corcovado, aquela virada para Lagoa Rodrigo de Freitas, que é a única big wall [longas rotas de escalada que levam mais de um dia de ascensão] na cidade. E aí os escaladores dormem naquela barraca que fica suspensa na parede e eu fiz umas fotos lindas do pessoal. Foram quatro inspeções até eu conseguir me familiarizar com a parede para estar seguro e confortável para fazer as fotos na quinta ida. E eu fazia o rapel da base [técnica de descida na corda] e depois tinha que subir, normalmente me içando, o que os escaladores chamam de “jumarear”.
Imagino que sejam talvez as fotos favoritas…
Sim, na verdade eu tenho duas fotos favoritas. Uma foi a que mais deu trabalho, que foi essa da escalada na face sul do Corcovado. Foi muito trabalhoso, não era só eu e os dois escaladores, junto comigo tinham mais três pessoas ajudando. Isso deu muito trabalho. E foram cinco missões até conseguir as fotos, sendo a última com pernoite. Eu comecei de tarde para fazer fotos diurnas e do pôr do sol, e no dia seguinte do nascer, e entrou uma nuvem que não estava na previsão, mas até isso deu certo porque rendeu fotos incríveis da gente escalando no meio da nuvem. Eu fiquei muito feliz com o resultado e feliz de executar bem as fotos.
E a outra, ironicamente, é a que menos deu trabalho, que foi a foto do raio caindo no Cristo Redentor. Não é uma foto fácil, mas como fotógrafo de natureza, estou acostumado a ir para o mato, passar perrengue, pegar carrapato. E essa foto eu fiz botando a câmera no tripé na varanda do meu apartamento. Eu vi que estava tendo tempestade de raios, botei a câmera fazendo fotos sequenciais, vi o enquadramento, as configurações adequadas e deixei ela lá uma hora e meia tirando fotos e fui beber um vinho [risos], no conforto da minha casa. E quando eu fui ver depois tinha conseguido duas fotos de raio, as duas estão ótimas, uma delas está no livro e a outra está na exposição. Fiquei super feliz. Então essas são as duas favoritas: uma que foi extremamente trabalhosa e a outra que não deu praticamente nenhum trabalho.
Conta um pouco mais desses bastidores do livro.
Uma das coisas mais interessantes para mim nesse processo foi estar no parque fora dos horários de visitação. Fazer trilhas de noite, ver como a fauna se transforma, como parece que tem outro “turno” de bichos. É muito legal ver essa transformação do dia para noite e como a noite tem seus próprios personagens.
Além disso, durante a pandemia de Covid, o parque fechou para visitação, mas como eu tinha a autorização de trabalho, eu pude continuar frequentando, de forma bem segura, sem contato com outras pessoas. E para ser sincero, estar no parque me salvou durante a pandemia, foi minha válvula de escape. E como estava tudo parado, as viagens e outros trabalhos, eu pude me dedicar 100% a este projeto durante esse período.
Tem também uma história engraçada de bastidor, que envolve o Peterson. Porque eu e ele somos muito viciados em café e nos orgulhamos de tomar café em tudo que é canto. E um dia eu subi uma árvore com ele, para fotografar ele instalando uma armadilha fotográfica no dossel para tentar registrar os bugios do Projeto Refauna. E nós tomamos um café lá no alto da árvore, no meio do dossel da floresta [risos].
Inclusive, é legal destacar que o livro nasce desse compartilhamento de experiências com outras pessoas. Parece um projeto muito solitário porque o livro é extremamente autoral, estou envolvido em quase todas as etapas, mas na verdade ele é fruto de muitas pessoas, até de dicas que eu ia recebendo, das pessoas que me acompanhavam. E o parque não para nunca de ter coisas novas. Acho que eu já visitei quase tudo, mas ainda tem coisa para ver e fazer. Acho que é impossível conhecer tudo.
Na seleção de fotos do livro é que você conseguiu registrar uma gama muito diferente de usos e de perfis de visitante. Desde corredor, ciclista, escalador até gestantes e pessoas com dificuldade de locomoção. Como isso foi pensado durante a produção do livro?
Uma preocupação que eu sempre tive é mostrar que o parque é de todos. Quando eu comecei a fotografar, eu percebi que se eu não tivesse essa preocupação, eu ia acabar só com a minha “patotinha”, os jovens que praticam esportes de aventura. E o parque não é só para gente. Existem inclusive trilhas adaptadas, então tem fotos de cadeirantes, de grávida, de bebê. Eu tive essa preocupação de fazer o livro mais inclusivo possível, não só de atividades, mas de perfis também, com pessoas negras, LGBTQIA+, mais velhas. Foi uma preocupação que eu tive, de mostrar que o parque é para todos, inclusive independente da idade. Porque o propósito do meu trabalho sempre foi o de aproximar as pessoas da natureza. Então se eu não deixo claro que o parque é para todos e deixo de focar em todos os públicos, eu vou aproximar só os ciclistas, os escaladores, os montanhistas, quando na verdade eu quero que idosos, grávidas, crianças, todos tenham contato com a natureza no parque.
Tem obstáculos, claro. O Parque Nacional da Tijuca deveria ser mais acessível ainda, melhor estruturado, porque ele é uma porta de entrada para natureza não só pro carioca, mas pro brasileiro. E no Setor Floresta, por exemplo, você não tem nada, só o Restaurante Esquilos, não dá para comprar um sanduíche. Eu queria ver o parque mais estruturado e ainda mais convidativo para a sociedade. É esse contato que gera encantamento. Tem uma frase que meu pai falava muito que eu amo que é “a gente só cuida do que a gente conhece”. É isso. Nós precisamos fazer as pessoas desenvolverem esse carinho e afeto pelo parque nacional.
Por falar em desafios, um dos setores do Parque Nacional da Tijuca, o Pretos Forros, não possui visitação estruturada por conflitos e problemas de segurança pública. Você conseguiu registrar algo desse setor?
O Parque tem quatro setores, o A, B e C todos têm pontos retratados no livro, mas o D, que é o Pretos Forros, não tem nenhum, justamente por esses problemas de segurança pública. Então só tem duas fotos. Uma que eu fiz da janela do avião, de cima, e outra que eu fiz de drone a partir do Pico do Perdido. Só tem essas fotos. Tanto por questões de segurança quanto para não estimular a visitação lá, porque realmente é uma área de conflito. Hoje, o uso lá, no Morro do Cardoso Fontes, é principalmente religioso, muito mais do que recreativo.
Ao longo desses oito anos de imersão, sua relação com o Parque Nacional da Tijuca mudou?
Eu acho que o que mais mudou foi minha relação de cuidado com o parque. Acho até que quando somos mais jovens somos menos responsáveis. Antigamente eu achava normal dormir na Pedra da Gávea, não me dava conta de que era invasão de unidade de conservação. Acho que esse respeitar as regras foi o que mais mudou. Hoje quando eu vejo pessoas com cachorro no parque eu dou um toque de que não pode, por exemplo. Não podemos usar o parque como o quintal da nossa casa, temos que respeitar ele como parque nacional, como unidade de conservação de proteção integral. Tem muita gente que frequenta a Floresta da Tijuca e não sabe que é uma área protegida. É importante deixar claro que é um parque nacional e que tem regras, que não pode levar cachorro, deixar lixo, subir drone, alimentar os animais. O que me leva de volta à frase do meu pai, de que a gente só cuida do que a gente conhece. Quanto mais eu fui conhecendo, mais eu fui cuidando e querendo fazer a minha parte para deixar o parque bem cuidado. E acho que ficar mais velho também ajuda [risos], porque a gente fica mais responsável.
Ficha técnica
Livro: “Parque Nacional da Tijuca”
Fotos: Vitor Marigo
Texto: Yasmin Narciso e Vitor Marigo
Projeto Editorial: Vitor Marigo
Capa Dura, 31x23cm
216 páginas
319 fotografias
O livro é realizado com recursos da Lei Rouanet e Lei do ISS, com patrocínio das empresas E.Tamussino e Paineiras-Corcovado.
Fonte: Eco Jornalismo