UnB entrega diploma póstumo à família de Honestino Guimarães, morto pela ditadura militar
‘Deve haver uma ação nacional de reconhecimento’, diz família, relembrando outros estudantes desaparecidos pelo regime
“Confiro a Honestino Monteiro Guimarães o título de geólogo”, foram com estas palavras, entrecortadas por lágrimas de emoção e por aplausos e gritos de “Honestino, presente!” vindos da plateia, que a reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, entregou, na tarde desta sexta-feira (26), o primeiro diploma póstumo emitido pela instituição.
O documento de conclusão de curso foi entregue ao primo de Honestino, Sebastião Lopes Neto. “A UnB pede desculpas à família de Honestino Guimarães”, completou a reitoria, dirigindo-se aos familiares presentes.
Honestino, liderança histórica do movimento estudantil durante a ditadura militar e aluno exemplar do curso de Geologia da UnB, foi sequestrado pelo regime em 1973. Seu corpo nunca foi encontrado.
“Esperamos que possa haver um programa e uma deliberação relativa a tantos jovens na mesma situação do Honestino em várias universidades. Eu acho que deveria haver uma ação nacional de reconhecimento e diplomação”, defendeu Sebastião, relembrando vários outros estudantes que foram mortos durante a ditadura militar.
Além dos jovens desaparecidos, Sebastião rememorou os mais de 8 mil indígenas dizimados pelos militares, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), e os 1.654 camponeses mortos ou desaparecidos pelo regime. “Se nós não abrirmos o arquivo dos militares, nós não vamos conseguir resolver essa equação”, afirmou.
Honestino Guimarães, presente!
Honestino Guimarães nasceu em 1947, em uma família humilde de Itaberaí, município do interior de Goiás. Mudou-se para Brasília com sua família nos anos 60, onde estudou e se organizou politicamente.
Foi fundador do grêmio estudantil do Colégio Elefante Branco. Após completar o ensino básico na rede pública, foi aprovado na primeiro colocação do vestibular da UnB, em 1964.
Honestino também foi um dos fundadores da Ação Popular – Marxista-Leninista (APML). Na UnB, foi eleito presidente do diretório acadêmico (DA) de Geologia e enfrentou sua primeira prisão em 1967, acusado de fazer pichações contra o governo do general Costa e Silva.
“Que a memória de Honestino nos inspire a continuar a luta por uma sociedade onde a liberdade, a justiça e democracia sejam não apenas ideais, mas realidade para os brasileiros”, afirmou o diretor do Instituto de Geociências da UnB, Welitom Rodrigues, durante a diplomação.
Mesmo preso, o jovem foi eleito presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB) em 1968, mesmo ano em que foi expulso da universidade. A expulsão foi revertida pelo Conselho Universitário da UnB em junho deste ano. Faltavam apenas 11 créditos para o estudante completar o curso de geologia.
Honestino se tornou presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1969. Viveu na clandestinidade até 1973, quando foi sequestrado pelo regime militar aos 26 anos e nunca mais foi encontrado.
“Sua trajetória é uma lembrança dolorosa, mas essencial, do preço da luta pela justiça e pela democracia. Preso e torturado pelo regime militar por ousar lutar por liberdade, pela democracia, por uma educação emancipadora, por dignidade e por esperança de uma sociedade radicalmente diferente”, declarou a presidenta do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB, Laís Cantuário.
A entidade, que foi batizada em homenagem a Honestino Guimarães, se inspira na trajetória do líder histórico para enfrentar os desafios atuais do movimento estudantil.
“Somos eternamente honrados em manter o seu legado. É nosso papel organizar as indignações dos estudantes, seja pelo atraso das bolsas de extensão, seja contra o arcabouço fiscal, que diretamente impede a existência da gente. Pela garantia de se permanecer e se formar com qualidade, por uma universidade de todos e para todos”, completou a presidenta.
Também estiveram à mesa da diplomação o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Alexandre Brasil, e a presidenta da UNE, Manuella Mirella.
“Sebastião, a nossa luta segue para que mais mães e pais possam comemorar a entrada, a permanência e a formatura dos estudantes da universidade”, disse a representante da entidade que já foi presidida por Honestino.
Após mais de 60 anos, o brinde da formatura
Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino, lutou até o fim da vida pela memória e pela justiça, não apenas de seu filho, mas de todos os brasileiros torturados e desaparecidos pelo regime militar.
“Tem um personagem importante dessa história, que não é só a Dona Maria Rosa, chama-se mãe. Ou mães. Quem esteve à frente da primeira linha de ataque para reivindicar os desaparecidos foram as mães”, recordou Sebastião Lopes.
Os pais de Honestino, de origem humilde, sempre incentivaram a educação dos filhos. Benedito Monteiro Guimarães, pai do líder estudantil, guardou por longos anos um vinho português que seria aberto para uma comemoração especial: o dia da formatura.
“Eu vou fazer uma coisa pra vocês tomarem conhecimento. O velho vinho português se perdeu nas bagaças da vida, nas mudanças de família, nos desastres, na morte da Maria Rosa, na morte do Norton [irmão de Honestino]. Mas, nós estamos aqui e, simbolicamente, tem aqui o vinho português”, disse Sebastião ao abrir a garrafa e brindar com todos os presentes à mesa.